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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Autoridades e intelectuais atacam as ofensas virtuais contra nordestinos

Ontem, internautas do Sudeste e do Sul, que atribuem a vitória de Dilma Rousseff (PT) ao Nordeste, continuaram postando ofensas em seus perfis nas redes sociais


Os comentários preconceituosos contra nordestinos, feitos por parte dos eleitores de José Serra (PSDB), revoltaram autoridades e intelectuais baianos. Ontem, internautas do Sudeste e do Sul, que atribuem a vitória de Dilma Rousseff (PT) ao Nordeste, continuaram postando ofensas em seus perfis nas redes sociais.

O governador reeleito Jaques Wagner (PT) condenou a postura. “Como todo tipo de preconceito, não constrói nada. No momento em que o mundo aplaude a democracia brasileira, alguns usam a liberdade de forma lamentável”, disse.

LEIA O ARTIGO DO JORNALISTA JAIRO COSTA JÚNIOR SOBRE O ASSUNTO

O prefeito João Henrique (PMDB) afirmou que os comentários são expressão daqueles que querem dividir o país. “Esse tipo de postura preconceituosa me deixa indignado. Ela parte de pessoas que insistem em manter dois países em um: um país rico e um país pobre”.

Fascismo
Para o sociólogo Ordep Serra, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), as ofensas expressam uma tendência racista de parte da população do Sudeste e do Sul. “Como identificamos agora uma superbactéria, estamos vendo o micróbio do fascismo. É preciso punir e educar”, avaliou.

Segundo o sociólogo, este é um sentimento predominantemente em parte da classe média, que teme perder privilégios com as políticas públicas voltadas para o Nordeste. “É uma classe média baixa frustrada, que não enriquece, e tem raiva do pobre e do imigrante”, explicou.

O antropólogo Roberto Albergaria disse que os comentários sintetizam um preconceito antigo contra nordestinos. Ele afirmou que no Brasil há uma “geografia mítica”, que atribui determinadas características às regiões. “No imaginário da população, o Sul e o Sudeste representam a industrialização. O Norte, a natureza. E o Nordeste, a miséria, a ignorância e o analfabetismo”, analisou.

Cultura
Segundo Albergaria, os autores das mensagens, ao chamar os nordestinos de “analfabetos”, confundem o que é cultura e a restringe ao saber escrever. “A cultura do nordestino é riquíssima e um dos motivos é o analfabetismo. Por não poder se expressar com a escrita, a região criou uma cultura oral, corporal, gestual, que é um tesouro, que não existe no Sul”, disse.

No entanto, para Albergaria, a postura é comum aos novos ricos, pessoas de classe média que ascenderam socialmente. Segundo ele, essas pessoas precisam diminuir as outras para se sentirem mais importantes.

O artista plástico e antropólogo Renato da Silveira atribui o racismo ao ressentimento contra parte da população beneficiada com políticas de inclusão social. “Um grupo de pessoas está entrando na cidadania, que antes era um clubinho fechado. Mostra como a luta para conquistar direitos é dura”, destacou.

Crime
Para o presidente do Ilê Aiyê, Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, as ofensas deve ser tratadas como crime de racismo, que é inafiançável, segundo o Código Penal. “Isso é muito triste, mas não é nenhuma novidade e mostra que o país é racista. A elite vive com medo de perder o poder”, afirmou.

Vovô acha que o Brasil, depois de eleger um nordestino e uma mulher, não demorará para ter um presidente negro. Ele prevê ataques mais duros. “Vamos eleger um negro e a reação não vai ser na internet. A reação vai ser muito violenta”, assinala.

CONFIRA A OPINIÃO DOS INTERNAUTAS DO CORREIO SOBRE A POLÊMICA

Incitação ao ódio surgiu na internet
As manifestações racistas contra os nordestinos começaram nas redes sociais logo após a vitória da presidente eleita Dilma Rousseff (PT) sobre seu oponente, José Serra (PSDB). Parte do eleitorado tucano atribuiu a derrota ao peso dos votos no Nordeste - onde a petista venceu em todos os nove estados - e no Norte. O conteúdo das mensagens vão de xingamentos e acusações que classificam os nordestinos como “povo vagabundo”, devido ao Bolsa Família, até incitação à violência.

A estudante paulistana de Direito Mayara Petruso incentivou no twitter o assassinato de nordestinos: “Nordestino não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado”. No facebook, ela publicou: “Deem direito de voto pros nordestinos e afundem o país de quem trabalhava para sustentar vagabundos que fazem filhos pra ganhar o Bolsa 171”. Depois da repercussão, Mayara pediu desculpas através de seu perfil no Orkut. “Não tenho problemas com essas pessoas”, postou.

O site do CORREIO publicou segunda-feira uma matéria sobre o assunto, que bateu recorde na quantidade de comentários. Mais de 300 leitores manifestaram revolta com as mensagens publicadas por Mayara. “Lamentável sua falta de coerência e de inteligência. Do jeito que você paga Bolsa Família, nós também pagamos. Esta é uma dívida social que o país tem com os menos assistidos”, escreveu uma internauta.

Ao contrário do que pensa a estudante e parte do eleitorado de Serra, Dilma venceria a eleição mesmo que os votos do Nordeste e do Norte fossem anulados. Se forem contados apenas o Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a petista teria 33.247.650 e o tucano, 32.972.526, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O segredo da vitória de Dilma no Sudeste foi seu desempenho em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, segundo e terceiro maiores estados em quantidade de eleitores do Brasil, respectivamente. Em Minas e no Rio, a petista venceu pela mesma diferença de 1,7 milhão de votos.

Preconceito começou há mais de 200 anos
A história do preconceito contra nordestinos começou há mais de 200 anos, quando a capital do país foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1796, e após a decadência econômica do Nordeste, principalmente da Bahia. Segundo o antropólogo Roberto Albergaria, foi aí que começaram as manifestações de hostilidade.


Albergaria: antes dos ‘paraíbas’, baianos eram esculhambados no Rio de Janeiro

“Tudo começou quando o eixo político foi para o Sul. Hoje, no Rio, nordestino é chamado de paraíba, mas no século XVIII, os baianos é que eram esculhambados”, explicou. Para o sociólogo Ordep Serra, o preconceito foi incorporado pelo próprio governo brasileiro, que no início do século XX financiou a vinda de imigrantes estrangeiros, principalmente italianos e alemães, ao Brasil.

“Por muito tempo se falou que o atraso econômico foi superado com os europeus. Negros e nordestinos eram tratados como pesos mortos”, disse. A consolidação do preconceito foi entre as décadas de 20 e 50, quando houve grande crescimento industrial em São Paulo. “Milhares de nordestinos foram trabalhar em São Paulo. A convivência revoltou parte dos paulistas. Os nordestinos eram bons para construir, mas eram tratados como bárbaros”, concluiu.

Correio da Bahia

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